segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

história de MC Miltinho, o funkeiro carioca de oito anos que está enfrentando os produtores do game GTA nos tribunais e conseguiu proibir a comercial

“Ninguém pode me derrubar, nem com tiro de bazuca.” Quem vê Miltinho jogando o game Grand Theft Auto IV, mais conhecido como GTA, olhos vidrados na tela, não imagina a batalha que sua família trava nos tribunais contra os produtores do jogo. Aos oito anos de idade, Milton Luiz Lourenço é a pedra no sapato da gigante americana Rockstar Games, empresa que comercializa o game e faturou quase US$ 1 bilhão ano passado. Isso porque os advogados do garoto conseguiram uma decisão judicial que proíbe a venda de sua versão mais recente, A Balada do Tony Gay, não só no Brasil, mas no mundo todo, por usar uma das músicas que ele interpreta sem pagar direitos autorais.

O GTA é uma das séries de videogame mais vendidas — e polêmicas — de todos os tempos. O quarto episódio, lançado para Playstation 3, Xbox 360 e PC, já vendeu mais de 17 milhões de cópias. Nele, o jogador vive um fora da lei, que é incentivado a roubar e matar para atingir seus objetivos. Em uma das missões do jogo A Balada do Tony Gay, que expande a história original do GTA IV, o personagem entra em uma casa noturna e escuta uma música brasileira tocando ao fundo. É um trecho do funk Bota o dedinho pro alto, cantada por Miltinho e composta por seu pai, Hamilton Lourenço. Mas nenhum dos dois recebeu nenhum centavo pelo uso do batidão.

Quando consegue algum tempo livre entre as aulas, os deveres de casa e as partidas de videogame e futebol com os primos, Milton encarna o MC Miltinho. Em junho do ano passado, ele e o pai foram até um estúdio no Rio de Janeiro e gravaram o funk que provocou toda a confusão. Foi questão de meses até o refrão “Vem menina vem sem medo, que eu vou te ensinar” começar a fazer sucesso nos bailes cariocas e em rádios do Brasil inteiro. Os versos chamaram a atenção do DJ alemão Daniel Haaksman, um dos responsáveis por levar o funk carioca para a Europa. Ele remixou a faixa e a lançou pela gravadora Man Records com o nome Kid Konga. É essa versão presente no game.
Foi só no começo deste ano que a família de Miltinho ficou sabendo que sua música tocava nas pistas da Europa e em um dos games mais vendidos do mundo. No começo, ficou bastante orgulhoso pela fama repentina. “O problema foi quando fiquei sabendo que deveria ter ganhado dinheiro com isso, mas não ganhei nada”, diz. E, agora, ele tem a chance de reaver um dinheiro que pode mudar sua vida.

Vida de funkeiro Milton mora com a mãe, Luana Monteiro, na periferia de Duque de Caxias, município ao sul da capital fluminense, em uma casa simples, de dois quartos, sala e cozinha. Ela acabou de passar por reformas, mas o quintal ainda precisa de uma mão, que não veio por falta de dinheiro. Miltinho tem hora certa para fazer a lição de casa, ver TV e jogar videogame. Bagunça mesmo, só na casa da avó. O menino comportado sai de cena, no entanto, quando o assunto é a música. A fama de MC já percorreu toda a vizinhança. Nas ruas, as pessoas pedem para que cante um trechinho de seus sucessos.

A resposta vem de imediato: “Tá bom, mas você vai pagar quanto?”. Apesar das brincadeiras, ele sempre faz apresentações para os amiguinhos e faz questão de agradar os fãs. “Nas meninas, eu dou um beijo e um abraço”, diz. A indiferença que o garoto nutre pelo sucesso talvez venha do fato de não gostar de cantar por obrigação e já demonstrar cansaço com o “estrelato”. Ser funkeiro não é seu objetivo de vida. “Quero ser engenheiro civil e ganhar bastante dinheiro trabalhando em coisa boa. Gosto de cantar só por farra.”

Até o começo do ano, Miltinho estudava em uma escola particular localizada em um bairro próximo de sua casa, mas teve que mudar para uma estadual por falta de dinheiro para as mensalidades. Sente falta das aulas de inglês, língua que já começava a dominar. Na terceira série da escola, a única reclamação das professoras vem do fato do menino não gostar de anotar no caderno as matérias passadas em sala de aula. “Mas ele guarda tudo na cabeça, como faz com os funks do pai”, diz a mãe, Luana.

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